sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Neste último dia do ano, aprendamos com Mário Quintana!

O humor e sarcasmo de Quintana, capaz de brincar até mesmo com a morte, em versos como "A morte é a libertação total: a morte é quando a gente pode, afinal, estar deitado de sapatos", e ainda "Autodidata é um ignorante por conta própria". Saudemos esse grande poeta brasileiro!


Vida

A vida são deveres que nós trouxemos
para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê, passaram-se 50 anos!
Agora, é tarde demais
para ser reprovado...
Se me fosse dado um dia,
outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio.

Seguiria sempre em frente
e iria jogando, pelo caminho,
a casca dourada
e inútil das horas...

Dessa forma eu digo,
não deixe de fazer algo que gosta
devido à falta de tempo,
a única falta que terá, será desse tempo
que infelizmente 
não voltará mais.

 

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A poesia revolucionária de Maiakóvski

Vladimir Maiakóvski. Lírico, crítico, épico e satírico ao mesmo tempo. Sem dúvida, o maior poeta russo do século XX!



Despertar é preciso


Na primeira noite eles aproximam-se

e colhem uma flor do nosso jardim

e não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem;

pisam as flores, matam o nosso cão,

e não dizemos nada.

Até que um dia o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua

e, conhecendo o nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E porque não dissemos nada,

Já não podemos dizer nada.



E então, o que quereis?


Fiz ranger as folhas de jornal

abrindo-lhes as pálpebras piscantes.

E logo, de cada fronteira distante

subiu um cheiro de pólvora

perseguindo-me até em casa.

Nestes últimos vinte anos

nada de novo há

no rugir das tempestades.

Não estamos alegres, é certo,

mas também por que razão

haveríamos de ficar tristes?

O mar da história é agitado.

As ameaças e as guerras

havemos de atravessá-las,

rompê-las ao meio, cortando-as

como uma quilha corta as ondas.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

E para encerrar a noite, o lirismo de Pablo Neruda... Boa noite!

 
Poema 20

... Posso escrever os versos mais tristes esta noite
Escrever por exemplo:
"A noite está estrelada e tiritam, azuis, os astros ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu a amei, e às vezes ela também me amou.
Em noites como esta eu a tive entre meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.
Ela me amou, e as vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos ?
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Que importa que o meu amor não pudesse guardá-la ?
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
Minha alma não se contenta em tê-la perdido.
Como para aproxima-la meu olhar a procura.
Meu coração a procura, e ela não está comigo.
A mesma noite que faz branquear as mesmas árvores.
Nós, os de então, já não somos mais os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas quanto a amei.
Minha voz procurava o vento para tocar-lhe o ouvido
De outro. Será de outro. Como antes de meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro, seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade,  mas talvez a ame.
É tão curto o amor,  e é tão longo o esquecimento.
Porque em noites como esta eu a tive entre meus braços,
a minha alma não se contenta com tê-la perdido.
Ainda que esta seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

Para celebrar a melancolia desta noite chuvosa, Fernando Pessoa!


Chove? Nenhuma chuva cai...
 
Chove? Nenhuma chuva cai...
Então onde é que eu sinto um dia
Em que ruído da chuva atrai
A minha inútil agonia ?


Onde é que chove, que eu o ouço?
Onde é que é triste, ó claro céu?
Eu quero sorrir-te, e não posso,
Ó céu azul, chamar-te meu...

E o escuro ruído da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser é a invisível curva
Traçada pelo som do vento...

E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro... E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.

Ah, na minha alma sempre chove.
Há sempre escuro dentro de mim.
Se escuro, alguém dentro de mim ouve
A chuva, como a voz de um fim...

Os céus da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas...

No claustro sequestrando a lucidez
Um espasmo apagado em ódio à ânsia
Põe dias de ilhas vistas do convés

No meu cansaço perdido entre os gelos,
E a cor do outono é um funeral de apelos
Pela estrada da minha dissonância...

domingo, 26 de dezembro de 2010

Curtinhas do Quintana...


Vale a pena viver - nem que seja para dizer que não vale a pena...

O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso.


O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente.


Não importa saber se a gente acredita em Deus: o importante é saber se Deus acredita na gente...


E um dia os homens descobrirão que esses discos voadores estavam apenas estudando a vidas dos insetos...


A alma é essa coisa que nos pergunta se a alma existe.


Melancolia
Maneira romântica de ficar triste.


O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro.


BILHETE

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

Mário Quintana


Borboletas

Quando depositamos muita confiança ou expectativas em uma pessoa, o risco de
se decepcionar é grande.
As pessoas não estão neste mundo para satisfazer as nossas expectativas, assim como não estamos aqui, para satisfazer as dela.
Temos que nos bastar... nos bastar sempre e quando procuramos estar com alguém, temos que nos conscientizar de que estamos juntos porque gostamos, porque queremos e nos sentimos bem, nunca por precisar de alguém.
As pessoas não se precisam, elas se completam... não por serem metades, mas por serem inteiras, dispostas a dividir objetivos comuns, alegrias e vida.
Com o tempo, você vai percebendo que para ser feliz com a outra pessoa, você precisa em primeiro lugar, não precisar dela. Percebe também que aquela pessoa que você ama (ou acha que ama) e que não quer nada com você, definitivamente, não é o homem ou a mulher de sua vida.
Você aprende a gostar de você, a cuidar de você, e principalmente a gostar de quem gosta de você.
O segredo é não cuidar das borboletas e sim cuidar do jardim para que elas venham até você.
No final das contas, você vai achar
não quem você estava procurando, mas quem estava procurando por você!

Mais uma do Gonzaguinha

Dono de uma sensibilidade singular, autor de versos como "Desde quando sorrir é ser feliz? Cantar nunca foi só de alegria. Com tempo ruim todo mundo também dá 'bom dia!'".  Assim era o nosso "moleque e guerreiro" Luiz Gonzaga Jr....

Um Homem Também Chora (guerreiro Menino)

 

Um homem também chora
Menina morena
Também deseja colo
Palavras amenas...
Precisa de carinho
Precisa de ternura
Precisa de um abraço
Da própria candura...
Guerreiros são pessoas
Tão fortes, tão frágeis
Guerreiros são meninos
No fundo do peito...
Precisam de um descanso
Precisam de um remanso
Precisam de um sono
Que os tornem refeitos...
É triste ver meu homem
Guerreiro menino
Com a barra do seu tempo
Por sobre seus ombros...
Eu vejo que ele berra
Eu vejo que ele sangra
A dor que tem no peito
Pois ama e ama...
Um homem se humilha
Se castram seu sonho
Seu sonho é sua vida
E vida é trabalho...
E sem o seu trabalho
O homem não tem honra
E sem a sua honra
Se morre, se mata...
Não dá prá ser feliz
Não dá prá ser feliz...
É triste ver meu homem
Guerreiro menino
Com a barra de seu tempo
Por sobre seus ombros...
Eu vejo que ele sangra
Eu vejo que ele berra
A dor que tem no peito
Pois ama e ama...
Um homem se humilha
Se castram seu sonho
Seu sonho é sua vida
E vida é trabalho...
E sem o seu trabalho
O homem não tem honra
E sem a sua honra
Se morre, se mata...
Não dá prá ser feliz
Não dá prá ser feliz...
Não dá prá ser feliz
Não dá prá ser feliz
Não dá prá ser feliz...

Gonzaguinha, um grande poeta brasileiro!

Luiz Gonzaga Jr., saudoso cantor e compositor brasileiro, deixou-nos como legado suas brilhantíssimas composições...

Janeiro Ainda - Possibilidades

Te esperei vinte e quatro horas ou mais
de cada dia que eu vivi
Te esperei mais desete dias por semana
sem um só dia te trair
Te esperei mais de nove meses sem poder partir
Mais de doze meses cada ano,
e te espera
até um novo século surgir
Te esperei na mesa, te esperei na cama,
Olhando as estrelas te esperei na lama.
Te esperei bebendo,
te esperei calado,
embriagado
e gritando por aí
Te esperei com fome, te esperei sem nome,
Uma vez chorando e outra sem sorrir.
Num barraco
numa esquina,
te esperei pelo mundo,
te esperei sempre assim
num buraco sem fundo
por dentro de mim
Mata derrubada,
nas encruzilhadas,
pelas avenidas
Te esperei no sangue, te esperei no mangue,
água derramada,
vida proibida,
hóstia consagrada, pena colorida.
Te esperei de gravata, de luva e sapato
Com tanto recato, nua e mal vestida.
Te esperei toda a morte,
te esperei toda a vida
no regato, o esgoto,
Te esperei no mato,
no eclipse lunar, no luar neon,
Na escura solitária, no clarão das luminárias,
No ponto de encontro entre a bela e o monstro,
No raso da Catarina, na profunda dos infernos
Te esperei nos azes, te esperei nos ternos
Te esperei na tua, te esperei na minha
Te esperei Clarice, te esperei Virgínia
Te esperei tantos marços e mais fevereiros
Esperei por inteiro e espero ainda neste
novo janeiro te dar boas vindas.
Dói cicatriz
Unha arroxeando
Gota latejando
Formigueiro assanha
Corre Dina e apanha logo
a roupa no varal que - vai chover!
Corre fogo longe
Coração trovão
Tudo em volta cala
Rio barreando
Já na cabeceira
Vive o temporal - eu vi uma estrela!
- Daniel, uma vez há muito tempo atrás
Seu avô baiano chegou lá em casa a nado
Eu e Dina estávamos em cima da mesa com água
pela pintura
Na minha mão havia um barquinho de papel doido
pra brincar na correnteza
e eu tinha certeza!
E o quarto crescente sorriu no céu
Perfeito sinal para o sol brilhar
A arca afinal aportou cá no monte esperança, viu!
Mudança de tempo se sente no ar,
Possibilidades de procriação!


http://www.vagalume.com.br/gonzaguinha/janeiro-ainda-possibilidades.html#ixzz19E4GD8RR

Gonzaguinha: Janeiro Ainda - Possibilidades (Curtam esse belo vídeo!)

sábado, 25 de dezembro de 2010

Sobre o homem 3...


O Novo Homem
 
O homem será feito
em laboratório.
Será tão perfeito como no antigório.
Rirá como gente,
beberá cerveja
deliciadamente.
Caçará narceja
e bicho do mato.
Jogará no bicho,
tirará retrato
com o maior capricho.
Usará bermuda
e gola roulée.
Queimará arruda
indo ao canjerê,
e do não-objecto
fará escultura.
Será neoconcreto
se houver censura.
Ganhará dinheiro
e muitos diplomas,
fino cavalheiro
em noventa idiomas.
Chegará a Marte
em seu cavalinho
de ir a toda parte
mesmo sem caminho.
O homem será feito
em laboratório
muito mais perfeito
do que no antigório.
Dispensa-se amor,
ternura ou desejo.
Seja como for
(até num bocejo)
salta da retorta
um senhor garoto.
Vai abrindo a porta
com riso maroto:
«Nove meses, eu?
Nem nove minutos.»
Quem já concebeu
melhores produtos?
A dor não preside
sua gestação.
Seu nascer elide
o sonho e a aflição.
Nascerá bonito?
Corpo bem talhado?
Claro: não é mito,
é planificado.
Nele, tudo exacto,
medido, bem posto:
o justo formato,
o standard do rosto.
Duzentos modelos,
todos atraentes.
(Escolher, ao vê-los,
nossos descendentes.)
Quer um sábio? Peça.
Ministro? Encomende.
Uma ficha impressa
a todos atende.
Perdão: acabou-se
a época dos pais.
Quem comia doce
já não come mais.
Não chame de filho
este ser diverso
que pisa o ladrilho
de outro universo.
Sua independência
é total: sem marca
de família, vence
a lei do patriarca.
Liberto da herança
de sangue ou de afecto,
desconhece a aliança
de avô com seu neto.
Pai: macromolécula;
mãe: tubo de ensaio,
e, per omnia secula,
livre, papagaio, sem memória e sexo,
feliz, por que não?
pois rompeu o nexo
da velha Criação,
eis que o homem feito
em laboratório
sem qualquer defeito
como no antigório,
acabou com o Homem.
       Bem feito.

Carlos Drummond de Andrade

Sobre o homem 2...

Decadência e Esplendor da Espécie

Não sei o que terá acontecido com a espécie humana.
Esta ausência de pêlos...Para os outros mamíferos a nossanudez pode parecer repugnante como,par nós,a nudez dos vermes.
E,depois,a nossa verticalidade é antinatural.Estas mãos pendendo,inúteis,são ridículas como as dos cangurus sentados.
Se fôssemos veludos e quadrúpedes,ganharíamos muito em beleza e,sem a atual tendência à adiposidade,poderíamos ser quase tão belos como cavalos.
Felizmente,inventou-se a tempo o vestuário,que,pela variedade e beleza(a par de sua utilidade em vista do fatal desabrigo em que ficamos)redime um pouco esta degenerescência.
E acontece que inventamos também o mobiliário,os utensílios:no caso vigente,esta cadeira em que escrevo sentado a esta mesa,à luz artificial desta lâmpada.
E ainda este ato de escrever,isto é,de expressar-me por meio de sinais gráficos,é mais uma prova da nossa artificialidade.
Mas quem foi que disse que eu estou amesquinhando a espécie?Quero apenas significar que,em face das suas miseráveis contigências,o homem criou,além do mundo natural,um mundo artificial,um mundo todo seu,uma segunda natureza,enfim.
O homem,esse mascarado...

Mário Quintana

Sobre o homem...


O Homem - Uma Mácula da Natureza

Existe no mundo apenas um ser mentiroso: o homem. Todos os outros seres são verdadeiros e sinceros, pois mostram-se abertamente como são e manifestam o que sentem. Uma expressão emblemática ou alegórica dessa diferença fundamental é o facto de que todos os animais andam com o seu aspecto natural, o que contribui bastante para a impressão agradável que se tem ao vê-los; especialmente quando se trata de animais livres, tal visão enche o meu coração de alegria. Em contrapartida, devido ao seu vestuário, o ser humano tornou-se uma caricatura, um monstro; o simples facto de vê-lo é ja algo de repugnante, que se destaca até pelo branco da sua pele, tão natural a ele, e pelas consequências repulsivas da sua alimentação à base de carne, que vai contra a natureza, bem como das bebidas alcoólicas, do tabaco, dos excessos e das doenças. Ele surge como uma mácula da natureza!

Arthur Schopenhauer, in "A Arte de Insultar"