quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Viva a melancolia de Augusto dos Anjos!

Melancolia... maneira romântica de ficar triste.
 (Mário Quintana)


Infeliz

Alma viúva das paixões da vida,
Tu que, na estrada da existência em fora,
Cantaste e riste, e na existência agora
Triste soluças a ilusão perdida;
Infeliz

Oh! tu, que na grinalda emurchecida
De teu passado de felicidade
Foste juntar os goivos da Saudade
Às flores da Esperança enlanguescida;

Se nada te aniquila o desalento
Que te invade, e pesar negro e profundo,
Esconde a Natureza o sofrimento,

E fica no teu ermo entristecida,
Alma arrancada do prazer do mundo,
Alma viúva das paixões da vida.

......


Mágoas

Mais tarde da existência nos verdores
Da infância nunca tive as venturosas
Alegrias que passam bonançosas,
Oh! Minha infância nunca tive flores!

Volvendo ã quadra azul da mocidade,
Minh'alma levo aflita à Eternidade,
Quando a morte matar meus dissabores.

Cansado de chorar pelas estradas,
Exausto de pisar mágoas pisadas,
Hoje eu carrego a cruz de minhas dores!

(Augusto dos Anjos)

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Música Popular Brasileira, viva o samba!


Minha homenagem de hoje vai para Nelson Cavaquinho.
Compositor brilhante, de sensibilidade irretocável, Nelson Cavaquinho, nome artístico de Nelson Antônio da Silva, (Rio de Janeiro, 29 de outubro de 1911 — Rio de Janeiro, 17 de fevereiro de 1986) completaria, em 2011, 100 anos. 
Sambista carioca, compositor e cavaquinista na juventude, na maturidade optou pelo violão, desenvolvendo um estilo inimitável de tocá-lo, utilizando apenas dois dedos da mão direita.
Autor de Luz Negra e de A Flor e o Espinho, algumas vezes chamado de "o trovador dos aflitos", a morte e a "dor de cotovelo" sempre foram temas predominantes em sua poesia "mal-do-século".
(Certa vez, não permitiu que o relógio da sua casa passasse das duas horas da madrugada, porque sonhara que morreria naquela noite, às três horas da manhã.)
Nelson sempre conviveu com a fatalidade e, por isso, sua poesia é marcada pela melancolia. Compunha com intensa paixão para os solitários dos bares, para as mulheres sem alma, para os errantes e plebeus da noite.
Certamente, esse grande poeta chamado saudade, mesmo depois da vida e mesmo depois que o tempo passar, será sempre lembrado e homenageado...
Fontes: http://veja.abril.com.br/blog/passarela e Wikipédia






 Luz Negra


Sempre só,
Eu vivo procurando alguém
Que sofra como eu também
E não consigo achar ninguém
Sempre só
E a vida vai seguindo assim
Não tenho quem tem dó de mim
Estou chegando ao fim
A luz negra de um destino cruel
Ilumina o teatro sem cor
Onde estou representando o papel
De palhaço do amor 


Depois da Vida

Passei a mocidade esperando dar-te um beijo
Sei que agora é tarde, mas matei o meu desejo
É pena que os lábios gelados como os teus
Não sintam o calor que eu conservei nos lábios meus
No teu funeral estás tão fria assim
Ai de mim, e dos beijos meus
Eu te esperei, minha querida
Mas só te beijei depois da vida


Quando eu me chamar Saudade

Sei que amanhã
Quando eu morrer
Os meus amigos vão dizer
Que eu tinha um bom coração
Alguns até hão de chorar
E querer me homenagear
Fazendo de ouro um violão
Mas depois que o tempo passar
Sei que ninguém vai se lembrar
Que eu fui embora
Por isso é que eu penso assim
Se alguém quiser fazer por mim
Que faça agora.
Me dê as flores em vida
O carinho, a mão amiga,
Para aliviar meus ais.
Depois que eu me chamar saudade
Não preciso de vaidade
Quero preces e nada mais.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Onde pus a esperança,...

Fernando Pessoa

Onde pus a esperança, as rosas
Murcharam logo.
Na casa, onde fui habitar,
O jardim, que eu amei por ser
Ali o melhor lugar,
E por quem essa casa amei —
Decerto o achei,
E, quando o tive, sem razão para o ter
Onde pus a afeição, secou
A fonte logo.
Da floresta, que fui buscar
Por essa fonte ali tecer
Seu canto de rezar —
Quando na sombra penetrei,
Só o lugar achei
Da fonte seca, inútil de se ter.
Para quê, pois, afeição, esperança,
Se perco, logo
Que as uso, a causa para as usar,
Se tê-las sabe a não as ter?
Crer ou amar —
Até à raiz, do peito onde alberguei
Tais sonhos e os gozei,
O vento arranque e leve onde quiser
E eu os não possa achar!

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Pablo Neruda


Em que idioma cai a chuva
sobre cidades dolorosas?
Que suaves sílabas repete
o ar da alvorada marinha?
Te deste conta que o Outono
é como uma vaca amarela?
E como o inverno acumula
tantos azuis lineares?
E quem pediu à Primavera 
sua monarquia transparente?

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O erotismo nos torna "gauche"?

Em "passeio" pelo meu pequeno acervo literário, reencontrei o livro intitulado "O amor natural", Carlos Drummond de Andrade. A obra revela uma face (quase oculta) do poeta, o erotismo drummoniano. Para alguns, é considerada obscena. Para outros, um exercício estético do erotismo.
Reproduzo dele quatro poemas e, de seu posfácio, a epígrafe, na qual Drummond o define:

"Oh! sejamos pornográficos,
(docemente pornográficos)"
Carlos Drummond de Andrade


A língua lambe

A lingua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a lígua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.
 
E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,

entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.


Tenho saudades de uma dama

Tenho saudades de uma dama
como jamais houve na cama
outra igual, e mais terna amante.

Não era sequer provocante.
Provocada, como reagia!
São palavras só: quente, fria.

No banheiro nos enroscávamos.
Eram flamas no preto favo,
um guaiar, um matar-morrer.

Tenho saudades de uma dama
que me passeava na medula
e atomizava os pés da cama.



Amor - pois que é palavra essencial
 
Amor — pois que é palavra essencial
comece esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro de vulva.

Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?

O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.

Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?

Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.

Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.

E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da própria vida,
como activa abstracção que se faz carne,
a ideia de gozar está gozando.

E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o clímax:
é quando o amor morre de amor, divino.

Quantas vezes morremos um no outro,
no húmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.

Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, quais estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.

 

A bunda, que engraçada

A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
  Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora - murmura a bunda - esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.


A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.


A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.


Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.


A bunda é a bunda
redunda.
Carlos Drummond de Andrade, in 'O Amor Natural'
 

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Voltemos à Machado!


Em pesquisa sobre este grande gênio da literatura brasileira, encontrei esta preciosidade. Amigas, animai-vos, pois somos "maçãs do topo"!

"Mulheres são como maçãs em árvores.
As melhores estão no topo.
Os homens não querem alcançar essas boas,
porque eles têm medo de cair e se machucar.
Preferem pegar as maçãs podres que ficam no chão,
que não são boas como as do topo,
mas são fáceis de se conseguir.

Assim as maçãs no topo pensam que algo está errado com elas,

quando na verdade, eles estão errados...

Elas têm que esperar um pouco para o homem certo chegar,

aquele que é valente o bastante para escalar até o topo da árvore."

Machado de Assis

Curtinhas do Machado de Assis...


Há coisas que melhor se dizem calando.

Não te irrites se te pagarem mal um benefício; antes cair das nuvens que de um terceiro andar.

Esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa de apagar o caso escrito.


O dinheiro não traz felicidade — para quem não sabe o que fazer com ele.


O acaso... é um Deus e um diabo ao mesmo tempo.

Não levante a espada sobre a cabeça de quem te pediu perdão.

Não é amigo aquele que alardeia a amizade: é traficante; a amizade sente-se, não se diz.


Deus, para a felicidade do homem, inventou a fé e o amor. O Diabo, invejoso, fez o homem confundir fé com religião e amor com casamento.

Cada qual sabe amar a seu modo; o modo, pouco importa; o essencial é que saiba amar.


Botas...as botas apertadas são uma das maiores venturas da terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar.

A vida sem luta é um mar morto no centro do organismo universal.


Não tive filhos não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria.
(Frase de Memórias Póstumas de Brás Cubas)

Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho,
Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!



Enquanto uma chora, outra ri; é a lei do mundo, meu rico senhor; é a perfeição universal. Tudo chorando seria monótono, tudo rindo cansativo; mas uma boa distribuição de lágrimas e polcas, soluços e sarabandas, acaba por trazer à alma do mundo a variedade necessária, e faz-se o equilíbrio da vida...
(Quincas Borba, Capítulo XLV)

Machado de Assis
 

Mais uma de Drummond


Para as rosas, escreveu alguém, o jardineiro é eterno. O legado deixado por esse "gauche" chamado Carlos Drummond de Andrade será sempre eterno!


Canção amiga

Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.

Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me vêem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.

Eu distribuo um segredo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.

Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.

Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 1 de janeiro de 2011

E, no primeiro dia do ano, Cecília Meireles!

  
Como se morre de velhice

Como se morre de velhice
ou de acidente ou de doença
morro, Senhor, de indiferença.

Da indiferença deste mundo
onde o que se sente e se pensa
não tem eco, na ausência imensa.

Na ausência, areia movediça
onde se escreve igual sentença
para o que é vencido e o que vença.

Salva-me, Senhor, do horizonte
sem estímulo ou recompensa
onde o amor equivale à ofensa.

De boca amarga e de alma triste
sinto a minha própria presença
num céu de loucura suspensa.

(Já não se morre de velhice
nem de acidente nem de doença,
mas, Senhor, só de indiferença.)

Cecília Meireles